terça-feira, novembro 04, 2008

Crianças, adolescentes, saúde mental e descaso. Quem "somos" os responsáveis?

Na tarde de sexta-feira, dia 31 de outubro de 2008, realizou-se audiência pública, sobre a execução da sentença de 24 de novembro de 2006, que condenou o Governo do Distrito Federal a criar e implementar uma política e serviços de atendimento à saúde mental de crianças e adolescentes, como previsto no ECA. Essa Ação Civil Pública teve início em 14 de março de 1997. Levou nove anos, oito meses e oito dias para a sentença e mais dois anos para se realizar esta Audiência Pública, totalizando 11 anos e oito meses de espera.

Acabou a espera ?
A psicóloga Flávia de Araújo do PDIJ fez uma apresentação contundente e impressionante, tanto histórica como a atual situação da saúde mental da criança e do adolescente no DF: total abandono pelas autoridades em todos esses anos. Como conclusão final o relatório apresenta apenas duas unidades no DF que prestam atenção às crianças e adolescentes: o Centro de Pesquisa, Capacitação e Atenção ao Adolescente e Família (Adolescentro) e o Centro de Orientação Médico Psicopedagógica (COMPP), “os quais não atendem a demanda atual do DF”.
Além da Dra. Tânia Torres Rosa, Subsecretária de Saúde representando o Secretário de Saúde, estavam compondo a mesa o Coordenador Administrativo em exercício da Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude, Nino Franco, o Promotor de Justiça Anderson Pereira de Andrade, a Subsecretária de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda, Marta Sales, o Presidente do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDCA), Fábio Teixeira, e o Conselheiro do Conselho de Saúde do DF Michel Platini.

O público usou a palavra, por dois minutos cada, para reivindicar, cobrar, acusar, lembrar, esclarecer e falar de esperanças. De uma maneira geral, os problemas complexos como o uso de drogas, os transtornos mentais, a violência sexual entre outros, são reduzidos a uma simplicidade ingênua, principalmente em uma relação à sua solução: a saúde oferecer tratamento.
A mesa, não diferente da assistência, apontou os absurdos da lotação orçamentária para a saúde mental, acusou a SES de não respeitar até hoje a decisão judicial e, lembrou em boa hora, que o DF é o segundo estado com menor número de CAPES da Federação, só perdendo para o Amazonas. As colocações, todas, foram contundentes e impactantes. Não sobrou espaço para meio termo e acredito que foi uma das audiências públicas mais elegantes, pela seriedade de todos os presentes.

É importante lembrar que foi o resultado do esforço incansável da equipe de Promotores da Infância e Juventude, representados no evento pela Promotora de Justiça Leslie Marques de Carvalho. A promotora Leslie deixou claro que o objetivo do Ministério Público do DF e Territórios é participar ativamente para o cumprimento da sentença. No entanto, não esqueceu o mais importante: “Vamos fiscalizar o trabalho, mas o diálogo faz parte de todo esse processo”.
Como esperado, a audiência terminou com a fala da Subsecretária de Saúde, respondendo as questões colocadas. As colocações de Dra Tânia foram de uma honestidade e responsabilidade tão elegantes, que não houve discussão ao final. Algumas delas:
  1. As cobranças aqui realizadas não intimidam, mas intimam soluções;
  2. O que posso prometer é a determinação de trabalhar com todas as forças para que esta situação se desfaça e, em outra tarde, sem constrangimento eu poder desejar uma boa tarde;
  3. Todas as instituições envolvidas têm que desenvolver atos interdisciplinares para resolver o problema;
  4. Assumimos o que nos cabe e disporemos todos os recursos da SES para que se comece o equacionamento dessas questões;
  5. Mudança de cultura tem que ocorrer e não temos mais tempo. Esse é um dos nossos maiores problemas!
Esse é o momento?
Como o Adolescentro foi citado em várias ocasiões na apresentação sobre a situação da Saúde Mental no DF, é fundamental fazermos algumas colocações na esperança de ajudar nas soluções, pois não temos mais tempo, como colocado pela Subsecretária de Saúde:
Tanto a Saúde Mental como o uso de Drogas, são fenômenos biopsicossociais, e a criança e o adolescente são totalmente diferentes do adulto nos mesmos fenômenos. A criança não é um adulto pequeno. Adulto pequeno é anão. Nesse ponto endossamos a proposta da Dra. Mariza, gerente do COMPP, de ser criado na SES uma gerência específica para tratar da saúde mental da infância e adolescência.
Mesmo que a saúde funcione como um termômetro, e pareça que o problema reside nela, os problemas e limitações sociais, da justiça, do serviço social e do trabalho, participam da construção e manutenção desses fenômenos;
  1. Todos nós profissionais temos a deformação pela formação que temos. Seria hilário se não fosse desesperador um diálogo entre a saúde e a justiça, sobre um caso de violência sexual intradomiciliar. O conceito de violência sexual para justiça é centrado no autor, no crime. O foco do conceito da saúde TEM QUE SER focado no(o) sobrevivente da violência, justamente aquele que não faz parte da lei. No entanto, quando sentamos imbuídos em resolver o problema dessas pessoas, os resultados são maravilhosos e impressionantes;
  2. Só fazemos parte da solução se fazemos parte do problema. O inverso também é verdadeiro e sério. Enquanto as instituições envolvidas não tornarem-se parceiras e assumirem-se como parte do problema, vamos continuar no mesmo. Para isso é fundamental criar um Grupo de Ação com representantes permanentes e com autoridade para tomar decisões para resolver o problema. Nós, como cidadãos, temos que EXIGIR RESPEITO das autoridades que elegemos, para a saúde mental;
  3. O problema é urgente. Para nós, só usa drogas quem pode não quem quer. Em nossa experiência, os distúrbios e transtornos mentais, emocionais e afetivos precedem o comportamento.
Investir na prevenção e atenção à saúde mental da criança e do adolescente será a maior economia que qualquer governo possa fazer.
O grande problema dos transtornos mentais e o uso de drogas (entre outros) é que todos nós queremos distância. São problemas que nos envergonham, denunciam nossos piores temores e preconceitos. O pior de tudo é que, os transtornos mentais e o uso de drogas, além de roubar a cidadania das pessoas que padecem desses problemas, autorizam a sociedade como um todo, trata-los como coisas, pois só dão problemas. Temos que esquecê-los.

Basta lembrar que o processo que levou 11 anos e oito meses e nenhum jornal da capital achou o assunto importante para ser divulgado, a não ser no site da MPUDF .

Fica o desafio: Faça parte do problema!

Valdi Craveiro Bezerra

Duas primeiras fotos de José Evaldo Vilela no site
http://www.mpdft.gov.br/joomla/index.php?option=com_content&task=view&id=927&Itemid=1.